Tatiana Leskova
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Edição de 19h13min de 26 de abril de 2011
Tatiana Hélène Leskova nasceu em Paris, no dia 6 de dezembro de 1922. Sua mãe, Hélène Meden, ainda com 17 anos e estudando em colégio interno, conheceu seu pai, Georges Leskova, sete anos mais velho, quanto patinavam no gelo em sua cidade natal, São Petersburgo. Hélène e Georges casaram-se pouco antes da revolução russa, em 1917, e logo Georges recebeu seu posto diplomático como primeiro secretário, em Sofia, Bulgária. Para fugir da confusão da revolução russa, mudaram-se para Londres, e depois quando as coisas se acalmaram, foram para Rússia, nunca tentativa frustrada de voltar para o antigo lar. Separados de sua família e amigos, e sem conseguir receber informação sobre eles, foram para a Itália, onde puderem ter finalmente sua lua-de-mel. Após quase dois anos em Veneza, onde a filha foi concebida, foram para a França, país que abrigava russos brancos através da Cruz Vermelho e outras entidades internacionais. Passaram por dificuldades financeiras em Paris. Enquanto Sr. Leskova trabalhava como tradutor numa firma de turismo, enquanto sua mulher, muito bonita e culta, era manequim de alta costura numa Maison.
Tatiana Leskova viveu em Paris até completar seus 15 anos de idade. Seus pais se separaram e ela foi viver com sua mãe, avó e tias. Aos sábados, quanto visitava seu pai, acompanhava sua avó paterna que tocava piano em aulas de balé, ministradas pela russa Lydia Nestiroska, vinda da Escola Imperial. Assim, Tatiana teve seu primeiro contato com a dança. Em agosto de 1932, sua mãe faleceu. Tatiana era uma menina muito inquieta, e ainda muito frágil por conta da sua baixa estatura. Por conta disso seu pai e sua avó decidiram colocá-la em uma escola de balé, escolhendo a de Madame Egorova. Sua primeira professora de balé, a quem Tatiana atribui grande importância em sua formação, Lubov Egorova, era uma bailarina russa, que como seus pais, havia se exilado em Paris por conta da Revolução Bolchevique, em 1917. As aulas na escola de Madame Egorova eram mais caras do que o pai de Tatiana poderia pagar, mas como Sr. Leskov conhecia o príncipe Troubetzkay, marido de Ergorova, conseguiu uma bolsa de estudos para sua filha pode estudar na escola. A escola de Ergorova não tinha turma para crianças na época, por isso, ainda com 12 anos Tatiana já dividia as salas de balé com profissionais e nomes importantes da dança na época. Observando Tatiana, que se tornara sua predileta, Egorova sugeriu para o Sr. Leskov que levasse sua filha para tomar aulas com Nicolas Kremniev, bailarino russo e excelente professor. Depois de um ano estudando com o mestre Nicolas, Tatiana voltou à escola de Egorova, integrando a recém formada turma para crianças. Em 1935, quando tinha apenas 12 anos, recebeu sua primeira crítica em um jornal parisiense, depois de fazer sua primeira apresentação com a escola da mestra Egorova. No texto que foi publicado pelo jornal, foi chamada de “a mais expressiva das crianças”.
Em 1936, já com 14 anos e apenas quatro anos de balé, Tatiana já havia tomado aulas com grandes mestres do balé. Tais como Boris Kneaseff e Anatela Obockhoff. Em setembro do mesmo ano fez sua primeira audição, para a Ópera Comique de Paris, segundo teatro mais importante da cidade. Tirou segunda colocação entre 200 candidatos e foi contratada como estagiária ganhando metade do salário que ganhavam os bailarinos profissionais, não por não ser talentosa o suficiente, mas por ser ainda menor de idade. Nesse teatro não se dançava balé de repertório, mas os bailarinos participavam das danças de óperas curtas, e após as óperas eram apresentados pequenos balés. A experiência de um ano e meio na Ópera de Comique de Paris lhe serviu como uma grande escola cênica. Mesmo ensaiando e fazendo aulas com o corpo de baile do teatro, Tatiana ainda arranjava tempo para freqüentar as aulas da queria professora Egorova.
Em 1937 Egorova formou o Ballet de La Jeunesse, um pequeno grupo de jovens formados pelos melhores professores russos de Paris. Neste grupo Tatiana conheceu Juliana Yanakieva, aluna de Preobrajenska que viveu no Brasil desde 1939, participando de temporadas do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. A turnê do grupo formado por Egorova incluía países como Holanda, Bélgica e Suíça, e por conta de tantas viagens para o exterior Tatiana teve que tirar seu primeiro passaporte, fazendo a escolha pela nacionalidade francesa. Posteriormente, em 1952, mudou sua nacionalidade para brasileira. Francesa de ascendência russa, foi naturalizada como brasileira, país onde mora até hoje.
Ainda em 1952, três acontecimentos marcaram a carreira e a vida de Tatiana. Ela teve a oportunidade de participar do prólogo de uma peça de Molière na Comédie Française, Le médecin malgrè lui, a convite de Jean Louis Vaudoyer, então diretor do teatro e um dos incentivadores do Ballet de La jeunesse. O segundo acontecimento foi sua participação em uma homenagem aos dez anos de morte do Sergei Diaghilev, organizada por Serge Lifar no Museu do Louvre, em Paris, oportunidade em que dançou pela primeira vez o balé Les Sylphides, de Michel Fokine, participando da mazurca e do pás-de-deux. E o terceiro acontecimento foi conhecer o famoso coreógrafo russo Leónide Massine, com quem encontraria ainda muitas vezes ao longo de sua carreira em marcantes passagens. Em 1939 a escola de Egorova recebeu a visita de Serge Grigoriev e sua mulher, a bailarina Lubov Tchernicheva. Sua passagem pela escola não foi uma simples visita, mas sim uma procura por jovens talentos. A recém formada companhia Original Ballet Russo, Grigoriev estava auxiliando De Basil na formação de sua companhia, que até então só tinha Tchernicheva, primeira-bailarina da companhia. Nas aulas e Egorova duas bailarinas se destacaram: Geneviève Mouline e nTatiana Leskova, que foram imediatamente contratadas para integrar o seleto grupo de solistas da companhia.
Tabela de conteúdo |
O início de sua carreira profissional
Quando entrou na companhia Original Ballet Russo, Tatiana não parou mais de viajar. Foi para as três Américas, Austrália e Europa se apresentar com a companhia. Com tantas viagens para lugares distantes a saudade de casa ficou grande, e como a comunicação era difícil por conta da guerra mundial que acabara de começar, Tatiana dava tudo de si para a dança. A vida de Tatiana se resumia a companhia. Poucos amigos, poucos romances, lembranças apenas das apresentações. Sua agenda era tão cheia que, após completar um ano na companhia Tatiana já coleciona a incrível marca de 354 espetáculos, isso tudo com apenas 17 anos de idade. As aulas e ensaios eram feitos de improviso nos navios, durante as viagens. Inclusive, em uma dessas viagens de navio que Tatiana Leskova conheceu Nina Verchinina, que hoje é reconhecida como uma das principais figuras no desenvolvimento da dança moderna no Brasil.
O Original Ballet Russo chama-se Covent Garden Russian Ballet e logo depois passou a se chamar Education Ballet, por conta de um processo que De Basil perdera para Massine, com quem dividia uma antiga companhia e que agora detinha os direitos sobre o nome Ballet Russo. Depois disso De Basil perdeu os direitos de dirigir uma companhia, e por dois anos a responsabilidade pela direção da companhia ficou para Vitor Dandré, marido de Anna Pavlova. Em junho de 1939 Tatiana estreou na cidade de Londres com o Convent Garden. Foram apresentados 35 balés pela companhia, sendo que três deles, Choreartium, Os Presságios e Sinfonia Fantástica, todos balés sinfônicos de Massine, foram retomados para festejar a volta à companhia de Nina Verchinina. Contando apenas com a receita das apresentações para se sustentar, passaram por algumas dificuldades, principalmente durante a guerra. Passaram fome, e até mesmo greve entre os bailarinos aconteceram, mas nem por isso a companhia desistiu, e mesmo com dificuldades seguiu sua turnê ao redor do mundo.
Depois de longa temporada nos Estados Unidos, e de passar por Cuba e México, a companhia de Leskova finalmente veio para o Brasil. No dia 20 de abril de 1942 a companhia Original Balé Russo se apresentou pela primeira vez no Brasil, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. O repertório incluía obras marcantes como Les Sylphides, Paganini, Os Presságios, O Espectro da Rosa, Choreartium e Baile dos Graduandos. Durante a temporada de sua companhia no Rio de Janeiro Tatiana teve a oportunidade de conhecer Jacques Corseuil, Castelo Branco e Paschoal Carlos Magno. Além de ter conhecido também a mestre Maria Olenewa, que muito fez pela dança no Brasil, e sua aluna Madeleine Rosay, primeira bailarina totalmente formada em nosso país. Apresentaram-se também em São Paulo, e depois seguiram novamente para a América do Norte.
O fato de a Europa estar em guerra fez com que permanecessem circulando pelas Américas até 1944. Um ano antes, 1943, Tatiana conhecera quem ela julgava ser seu grande amor. Em uma temporada pela Argentina, com apresentações no Teatro Colón, Tatiana e sua amiga Ana Volkova foram convidadas pelo então adido inglês para sair e tomar um drink, então Tatiana apaixonou-se por um brasileiro que acompanhava o inglês. Em 1944, último ano da companhia pela Américas, voltou ao Brasil para uma nova turnê no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nesse ano Tatiana reencontrou aquele que ela julgava ser seu grande amor, e decidiu ficar no Brasil junto a ele.
Tatiana Leskova e o Brasil
Tatiana Leskova mudou-se para o Brasil em maio de 1944. Ela e sua melhor amiga, Ana Volkova, mudara-se para cá na tentativa de ter uma vida mais tranqüila, diferente de toda agitação e correria que era estar na companhia, sempre em turnês. Almejam de assentar, criar laços familiares e amorosos.
No inicio tiveram que se esconder de De Besil, que não aceitou a mudança e abandono delas a companhia, por se tratarem de duas menores de idade e por ser ele o responsável por elas.
Seu primeiro emprego foi de dançarina no Copacabana Palace. Dançou uma coreografia de Vaslak Veltchek, coreógrafo russo de renome que se instalara no Brasil desde o advento da guerra, e que mais tarde viria a dar aulas de balé para Tatiana.
Ainda em 1944, mas precisamente no mês de dezembro, Tatiana Leskova se apresentou ao lado de sua amiga Ana Volkova, das colegas do Original Ballet Russo Tamara Grigorieva e Lydia Kuprina, e das bailarinas brasileiras Leda Iuqui e do bailarino Wilson Morelli em uma pequena récita organizada por Sansão Castelo Branco.
Esse primeiro encontro fez com que Castelo Branco desenvolve um sonho de criar uma companhia, sonho esse que se tornou realidade um ano mais tarde, quando surgiu o Ballet da Juventude, inspirado no Ballet de La Jeunesse, ao qual ele assistiu e Tatiana fez parte.
Em 1945 a ainda pequena companhia Ballet da Juventude fez uma pequena estréia no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
No ano seguinte dançou no Cassino da Pampulha uma coreografia feita especialmente para ela: Rhapsody in Blue, feita por Nini Thelaide, além de uma outra chamada Motto Perpetuo, feita por ela mesma.
Com o fechamento dos cassinos no Brasil Tatiana ficou desemprega, e para preencher a lacuna no orçamento que tal fato ocasionou, começou a dar aulas de balé na clínica Santa Mônica, localizada em Copacabana. Lá teve alunos de grande talento, entre eles figuram Cirley Franca, Jean Quick e Consuelo Rios. Ainda em 1946, o bailarino estoniano Yuco Lindberg, que integrava o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio desde a sua fundação, convidou Tatiana para fazer da temporada que ele organizava, que aconteceriam em outubro e novembro. Alguns meses antes assistiu a última temporada que o Ballet Russo fez à cidade, e após a partida da Companhia, a famosa bailarina Nina Verchinina aceitou um convite para coordenar o corpo de baile do Municipal, mudando-se para o Rio.
Verchinina teve uma curta e atribulada gestão no Municipal, e em sua gestão Tatiana Leskova tornou-se sua assistente e primeira-bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Nessa mesma época Tatiana decidiu trazer sua família de Paris. De inicio Tatiana era quem sustentava toda a família, o que fez com que ela não pudesse aceitar um convite para dançar no American Ballet Theatre, e se mudar para Nova York. Porém, logo sua tia começou a confeccionar tutus para as bailarinas e seu tio a fazer cópias de plantas para engenheiros. Ambos faleceram no Rio de Janeiro, alguns anos mais tarde.
Assim que terminou a temporada do corpo de baile do Theatro Municipal, os pais de seu amado a pediram que fosse para Suíça, ficar com ele que estava internado em um sanatório. Passou dez meses na Suíça, ao lado dele, fazendo aulas no quarto e improvisando os equipamentos com o que dispunha no quarto. Nessa época recebeu um importante convite para trabalhar como bailarina no Ballet dês Champs-Elysées, mas devido ao pedido de seu amado, recusou.
Voltou para o Rio de Janeiro no fim de 1947, e devido às dificuldades e por ter largado seu emprego para ir para Suíça, teve que implorar uma vaga para dançar no Copacabana Palace, ao lado de Leda Iuqui.
Como o corpo de baile do Municipal não estava na melhor de suas fases, Tatiana teve a idéia de montar sua própria companhia. O Ballet Sociey.
O Ballet Society
Criada por Tatiana Leskova em 1947, a companhia Ballet Society tinha, em sua maioria, bailarinos de grande talento que também faziam parte do corpo de bale do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
O termo society, que compunha o nome da companhia, designava realmente uma sociedade. Após o pagamento de todas as despesas, o dinheiro era dividido igualmente entre os sócios-bailarinos.
O Teatro Fênix servia de sede para a companhia, e foi também o palco de sua estréia. Tatiana acumulava função de professora, ensaiadora e coordenadora da companhia que tinha grupo Maria Angélica, Bertha Rosanova, Beatriz Consuelo, Arthur Ferreira, Lorna Kay, Dennis Gray, Edmundo Carijó, Johnny Franklin, Sima Chadrina, Vicente de Paula, Jonas Santos, Gisela Gelpke, Consuelo Rios, Inês Litowsky e Dulce Rodrigues.
O repertório tinha três programas. O primeiro com Les Sylphides e Bodas de Aurora, variações sinfônicas, primeira coreografia de Tatiana, com música de César Frank, e Masquerade. O segundo continha o terceiro ato de A Bela Adormecida, o segundo ato de O Lago dos Cisnes, pela primeira vez montado aqui e o pás-de-deux de O Quebra Nozes. O terceiro programa era uma mistura dos dois primeiros, e contava com a estréia de David Dupré como coreógrafo, um paulista aluno de Olenewa. Neste programa também fora apresentados um Estudo de Scriabin, além de Valsa Triste, com Bertha Rosanova e a variação de Raymonda, dançada por Maria Angélica.
Em novembro do mesmo ano a companhia Ballet Society apresentou-se no Theatro Municipal, com um repertório ainda maior, incluindo Coppélia, que também já havia sido apresentado no Teatro Fênix, além de ter incluído os novos integrantes Jean Quick, Cirley Franca, Ebba Will, Celina Ribeiro, Zani Roxo, Vera Braga, Georgina Grant e Nilson Penna.
A companhia contava com doações para se manter, e muitas vezes fazia improvisações para montar o figurino.
Depois de dois anos de muito sucesso e viagens por todo o Brasil, o Ballet Society teve que se desfazer, pois Tatiana Leskova havia recebido o irrecusável convite de ser diretora e primeira-bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Tatiana ainda não havia completado 28 anos quando assumiu essa importante função que exigiu-lhe 34 anos de duração.
Mesmo passando por muitas dificuldades e adversidades, o período em que foi diretora do Theatro Municipal do Rio foi de grande sucesso. Com temporadas anuais que sempre contavam com participações de bailarinos internacionais importantes, as apresentações eram sucesso, e rodaram o país inteiro, além de algumas cidades de países vizinhos.
Em 1959 foi convidada por Macine para ajudá-lo a preparar a temporada do Balé de Nervi, na Itália.
Em 1959 fez um curso intensivo de três meses com Martha Graham, uma das maiores e mais importantes formadoras da dança moderna americana, em Nova York.
Um ano depois voltou para o Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, coreografando em parceria com a russa Eugenia Feodorova.
Em 1962 encerrou sua carreira como bailarina por conta de problemas em seu joelho, e dois anos depois de afastou da função de diretora do Municipal do Rio por incompatibilidade artística com a direção do Theatro.
Tatiana Leskova rodou o mundo com sua arte, fazendo parte de diversas companhias, coreografando para personalidades da dança como Dalal Achar e fazendo contribuições imensuráveis para a dança, principalmente no Brasil.
Como ela mesma afirmou certa vez: “Os russos não me consideram russa, os franceses não me consideram francesa e os brasileiros não me consideram brasileira. Então sou bailarina”.
Fonte
Pereire, Roberto.
Tatiana Leskova: nacionalidade bailarina / Roberto Pereira
Rio de Janeiro : FUNARTE : Fundação Teatro Municipal do Rio de Janeiro, 2001.
64p.: - (Série Memória do Theatro Municipal do Rio de Janeiro; 6)