Dança contemporânea

De Wikidanca

Edição feita às 10h38min de 6 de maio de 2013 por Paula.gorini (disc | contribs)
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Dança Contemporânea: uma questão histórica

Pororoca_Lia Rodrigues


Ao buscar em bibliografia especializada em dança vestígios de sua trajetória, muitas vezes temos que recorrer a outros estudos sobre arte e comunicação, pois estamos falando de uma produção acadêmica recente em termos históricos .


Podemos dizer que esta dança que se apresenta como “contemporânea” se constrói por uma tomada de forças entre agentes diversos: das influências de outras linguagens, - o aprendizado e aplicação de outras técnicas; dos aspectos sociais cotidianos, - a relação da criação com a vida diária; da pluralidade de entendimento sobre o que é dança, - a produção de conhecimento na área.


Enfim, da possibilidade de uma abordagem para dança que não está restrita apenas ao processo de criação de coreografia e habilidade corporal. Por isso, podemos observar na produção atual de dança um caráter interdisciplinar, diverso, múltiplo. São algumas das características que permeiam o pensamento contemporâneo para sua criação e produção enquanto arte. Por isso a dança é também, e muitas vezes, fruto de pesquisas que passam pelo campo das ideias, da reflexão, e não apenas da pesquisa física.


Denise Siqueira, em seu livro “Corpo, comunicação e cultura: a dança contemporânea em cena” (2006), defende que a produção de dança contemporânea abarca construções coreográficas diversas, fruto de redes de influências e contágios múltiplos e se identifica justamente por sua diversidade (SIQUEIRA, 2006, p.107). Isso nos remete ao já discutido por Danto sobre arte contemporânea, em que esta não se define ou se reduz por referências histórico-temporais, mas na combinação de influências diversas, que ele chama de collage.


No contexto de construção histórica de identidade, a dança contemporânea se construiu como pertencente às artes cênicas, que já possui em si uma série de outras relações, como o palco, a cena, a personificação, a platéia. A chegada da tecnologia de foto e vídeo, que serviram como registro e disseminação do aprendizado em dança num primeiro momento, tiveram valor fundamental enquanto documentação de uma gramática própria. A dança, que também é cênica, cria modelos próprios de execução e identificação.


Ana Vitória Freire, na introdução de “Angel Vianna: uma biografia da dança contemporânea” (2005), fala sobre a dificuldade em se obter um registro de dança ao longo de sua história que, segundo a autora, data da idade média. Segundo ela, o primeiro tratado escrito como registro de prática sistematizada foi no ano de 1661, chamado Prémière Académie Royal de Danse, na França. Em 1669, com a Prémière Académie Royal du Musique, se institui a primeira escola de dança na França, onde de fato se começa a codificar e sistematizar o ensino em dança. Mas é na corte renascentista do rei Luiz XIV que nasce o ballet, o pequeno baile, codificado e sistematizado, quase uma obrigatoriedade na vida dos nobres.


Nessa época e durante muito tempo, a tradição do ensino dessa arte ainda era oral. A dança só começa a ganhar outras possibilidades de registro com a chegada do cinema, no século XX. Em um trecho que relata essa dificuldade, Freire assim explica: “o atraso também pode ter ocorrido em função da dificuldade de registro devido a sua natureza efêmera: até recentemente, não tínhamos instrumentos para registrar coreografias e os irreplicáveis gestos que acabam ao fim de cada espetáculo” (FREIRE, 2005, p. 20).


A dança passa a acontecer também na tela de cinema, na imagem, na repetição de uma gramática corporal e visual. A comunicação corporal, em que a ideia de dança como mensagem se apresenta, foi uma etapa importante da construção de um pensamento de dança enquanto prática artística. Uma abordagem da comunicação do corpo apropriada pela dança é o que chamamos de “expressão corporal”, que ganhou relevância a partir do momento em que a dança ganha consciência de si. O corpo passa a ser consciente de suas potencialidades e fraquezas, ganha autonomia para se expressar livremente.


No Brasil, o primeiro artista a inaugurar o termo “expressão corporal” foi o bailarino e coreógrafo Klauss Vianna, segundo relatos registrados por Freire. A autora conta que o termo surgiu num comentário de Klauss ao ver atores ensaiando: “olha que expressão corporal bonita têm os atores...” (Ibidem, p. 84). Desde então o termo foi apropriado tanto por atores de teatro em seu preparo corporal para cena, quanto por bailarinos que investem na expressão corporal como meio de potencializar sua prática de trabalho.


Na escola fundada por Angel e Klauss Vianna, em 1975, primeiramente chamada de Centro de Pesquisa Corporal – Arte e Educação, Angel inaugurou, ao lado de Klaus e Teresa D’Aquino, seu primeiro curso de formação de bailarino contemporâneo (Op. Cit., p. 92). Era uma opção para se ingressar no mundo da dança profissionalmente, uma alternativa para a até então única escola profissionalizante do Rio de Janeiro, a Escola Estadual de Dança Maria Ollenewa, que formava bailarinos clássicos.

Arte Contemporânea: alguns paralelos

"... a história é promessa de continuidade e celebração da incessante marcha ao progresso em nome do gênero humano.
Tudo sempre estava ao redor, apenas numa forma menos elaborada; precisamos apenas observar. (...)
Então, se deliberadamente alterarmos a ênfase, virarmos de ponta-cabeça e experimentarmos, 
o resultado vale a pena: não procuremos o velho no novo, mas encontremos algo novo no velho." (Siegfried Zielinski)


Buscamos contextualizar a dança contemporânea como prática que participa historicamente do que hoje é conhecido como “arte contemporânea”. Através da leitura de Arthur Danto, em “Depois do fim da Arte” (1997), e de Michael Archer, “Arte Contemporânea, uma história concisa” (1999), duas visões distintas sobre o mesmo tema, buscamos elementos para a compreensão e contextualização disso que hoje conhecemos como “arte contemporânea” e que se relaciona com o “fazer dança”.


Danto “decreta” o fim da arte como o fim da história da arte e nos traz uma visão crítica sobre a relação da arte contemporânea com a história, como algo que é mais do que “o que se produz hoje” e ainda que é inovador no fato de não se relacionar diretamente com o movimento artístico que a precede, mas com todos, de maneira não linear. Dessa forma, pensar em Danto é pensar mais do que a questão do conceito, é pensar historicamente. Já sob o ponto de vista da leitura de Archer, a história nos é “catalogada” - pelo fato do livro trazer imagens de obras e exposições, dados factuais como títulos, nomes, datas, local e contextos específicos sobre as produções - o que leva o leitor a um passeio temático. Mas que consegue fazer uma interlocução entre diferentes facetas da expressão artística, desde o modernismo, e consegue conectar momentos e situações, de forma bastante esclarecedora, para também nos mostrar como as fronteiras artísticas hoje estão cada vez menos nítidas.


Ao afirmar que a arte chegou ao fim, Danto pondera que o que pode ser lido e visto como arte em sua experiência “contemporânea” não se relaciona necessariamente com outros momentos históricos, nem como modelo a se seguir, nem como modelo a se superar (Ibidem: 27). Para Danto, a quebra de paradigma histórico se inicia já no modernismo, quando a arte toma consciência de si. Ao deixar de ser representativa, de tentar reproduzir a realidade a partir de uma idéia (mímese), a arte moderna começa a se relacionar com os materiais, os suportes, o espaço para exibição. Essa tomada de consciência pode ser observada, inclusive, na profusão de manifestos modernistas. O tema central da arte moderna é a própria arte. A arte se pensa.


Para Archer o paradigma começa a se modificar a partir da década de 60, quando a obra de arte deixou de ser categorizada entre pintura e escultura, quando o que se produzia em arte não pertencia apenas a esses dois formatos. A crescente facilidade do uso de tecnologias de comunicação como fotografia e filme, influenciou no desenvolvimento de uma produção artística marcada pela interdisciplinaridade entre linguagens e gêneros, conforme nos demonstra Archer:


A conseqüência do afrouxamento das categorias e do desmantelamento das fronteiras interdisciplinares foi uma década, da metade dos anos 60 a meados dos anos 70, em que a arte assumiu muitas formas e nomes diferentes: Conceitual, Arte Povera, Processo, Anti-forma, Land, Ambiental, Body, Performance e Política. (Op. Cit., p. 61)


No modernismo, a criação era instigada por vivências do cotidiano, pelas mudanças que começavam a surgir no dia-a-dia das cidades, como conseqüência da Revolução Industrial (ARCHER, 1999, p. 58). A interação cotidiana tem um marco histórico na criação do conceito de readymade, de Duchamp, no início do século XX, na utilização de objetos da vida diária como objetos de arte. Pela primeira vez é posto em questão o objeto artístico, com a indagação se arte é apenas a obra final ou também as circunstâncias que a cercam.


Para o readymade de Duchamp, um objeto que já existe pode ser considerado arte ao ser exibido numa galeria de arte. Polêmico, o artista coloca em cheque a tradição da arte da técnica, do talento, do formato, para priorizar a idéia, a reflexão (Ibidem, p. 3). Ao pensarmos na mudança de paradigma trazida pela noção duchampiana de readymade, a obra de arte ressignifica o espaço da galeria de arte, afetando os modos de ver e perceber a obra, que altera o espaço e deixa vestígios dessa alteração, mesmo após sua exibição.


A partir da segunda metade do século XX, a comunicação de massa também passa a afetar a produção artística, que fica mais evidente na Pop Art, que além de repetir imagens que aparecem na TV e nos jornais, nas propagandas e notícias norte-americanas, começa a identificar a arte como produto, a comercialização da arte, a produção em série. Isso se dá de forma consciente, como uma continuação das relações econômicas nas relações de produção artística.


Ainda na perspectiva de Danto, a arte contemporânea é mais do que uma arte que é produzida por nossos contemporâneos, mais do que uma referência de tempo. Para evitar conflitos conceituais, o autor opta por chamá-la “arte pós-histórica”. A arte começa a ser produzida fora das narrativas legitimadas (de pensadores “autorizados”, críticos), e sua produção não segue uma linearidade histórica. Ela se contextualiza, assim, para além da história de arte como a conhecemos tradicionalmente pela concepção moderna de história.


A evidência de que a arte contemporânea não era apenas uma referência de tempo, mas que também precisava ser pensada como algo que não se “encaixa” na arte moderna, trouxe um novo desafio para os críticos e historiadores de arte.


O que pode ser lido em ambos os autores, é que a arte dita contemporânea pressupõe de uma certa circunstância histórico-social, um ambiente em que ela se relaciona, que também não é linear.


A Comunicação na Dança Contemporânea

A dança é uma linguagem artística que foi construída historicamente com base em gramáticas e modelos de criação que puderam identificá-la como tal até o modernismo, quando, assim como outras linguagens artísticas, passou a experimentar outros formatos e procedimentos. O desenvolvimento de uma outra maneira de fazer dança, amplia a abordagem sobre dança como expressão do corpo e gestualidade. O gesto, a expressão facial, os pequenos movimentos cotidianos, sozinhos, já constroem um universo de códigos a serem combinados e comunicados. A comunicação não-verbal da dança também participa desse esquema de códigos, porém esses são estabelecidos a partir de uma estrutura cultural, sofrendo influência do meio para fazer sentido, como vimos com Siqueira.


Alguns estilos de dança, como o balé clássico, possuem códigos tão enraizados, criados há muitos anos nas danças de corte européia que são facilmente reconhecidos, especialmente por sua ampla divulgação na mídia. O que é tocante à dança contemporânea especificamente, é que nem sempre pode ser reconhecida como dança, dentro dos códigos que se estabelecem para tal expressão.


Como já vimos antes, o conceito de dança contemporânea é uma relação de diversos fatores de influência e contaminação que ajuda a tecer esta teia a que estamos chamando de prática de dança contemporânea. O que está sendo observado por alguns pesquisadores e criadores de dança, no entanto, é que não podemos reduzir o fenômeno da dança contemporânea em uma definição.


Poderíamos ser ainda mais ousados e pensar que os múltiplos contágios se aplicam na produção de arte contemporânea como um todo. Afirmamos antes que a dança contemporânea é um conceito ainda em construção, não há uma gramática própria desse estilo, repetida e reconhecida em qualquer parte. O balé clássico, conforme apresentado por Freire, possui uma gramática, bem como as notações de Laban, na dança moderna. A dança contemporânea ainda se dá por experiência, por processos, por pesquisa. Por conseqüência, não há um código que seja compreendido por quem quer que a experimente como público, o que muitas vezes causa estranhamento a quem assiste a um espetáculo dessa arte.


No canal de comunicação que se estabelece entre artista e público, por vezes, há de se ter um conhecimento prévio da pesquisa do artista para que se compreenda a obra. O próprio lugar de público passa a ser mobilizado, uma vez que sua fruição não é cômoda, e o público é provocado a pensar em possíveis “soluções” para o que, a princípio, parece não fazer sentido. O público é convidado a ampliar sua capacidade interpretativa para dar conta de discursos que não seguem, necessariamente, um formato já institucionalizado.


Junto com a construção do conceito, vem a construção do público, do crítico, do pesquisador e do próprio artista.


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