Dança moderna

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Essas novas possibilidades vão se infiltrando cada vez mais no universo da dança na década seguinte. O advento da era digital na década de 1950 também influenciou na mudança de comportamento, onde verificamos a passagem da condução normal dos fenômenos para a quebra da regularidade dos fatos da vida, imprimindo a visão dos acontecimentos ao acaso, fragmentado, com possibilidades de cortes e recombinações constantes, o que se transfere para a forma de lidar com o movimento na dança. A visão de dança trazida por Cunninghan somada às influências dos movimentos das Vanguardas Históricas que nutriram a nova geração de coreógrafos marcam a passagem da dança moderna americana para a pós-moderna, na década de 1960. As artes “continua(ra)m indo contra restrições das possibilidades expressivas e rechaçando definições que se pretendiam definitivas” dentro da música, das artes visuais, da poesia, do teatro ou dos novos gêneros como os Happenings, influenciando tendências e estilos da dança pós-moderna.
Essas novas possibilidades vão se infiltrando cada vez mais no universo da dança na década seguinte. O advento da era digital na década de 1950 também influenciou na mudança de comportamento, onde verificamos a passagem da condução normal dos fenômenos para a quebra da regularidade dos fatos da vida, imprimindo a visão dos acontecimentos ao acaso, fragmentado, com possibilidades de cortes e recombinações constantes, o que se transfere para a forma de lidar com o movimento na dança. A visão de dança trazida por Cunninghan somada às influências dos movimentos das Vanguardas Históricas que nutriram a nova geração de coreógrafos marcam a passagem da dança moderna americana para a pós-moderna, na década de 1960. As artes “continua(ra)m indo contra restrições das possibilidades expressivas e rechaçando definições que se pretendiam definitivas” dentro da música, das artes visuais, da poesia, do teatro ou dos novos gêneros como os Happenings, influenciando tendências e estilos da dança pós-moderna.
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==Ver Também==
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*[[Balé]]
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*[[Dança-educação]]
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*[[Arte e Política]]
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==Bibliografia==
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*[http://www.helenakatz.pro.br/interna.php?id=13 KATZ, Helena. Qual a dança desse corpo?]

Edição de 01h10min de 24 de fevereiro de 2012

Tabela de conteúdo

História

Jean-Geoges Noverre

Segundo os historiadores Paul Boucier e Sally Banes, considera-se que o surgimento da dança moderna se deu no final do século XIX e início do século XX, principalmente nos Estados Unidos e Alemanha, num contexto reativo ao balé clássico e seus códigos de movimentação tradicional. Embora, já no século XVIII, o francês Jean-Geoges Noverre inicia suas propostas de reformas das óperas-balés, impulsionando, de alguma forma, um pensamento mais moderno para a dança, com esforços para uma evolução em direção ao “realismo de assuntos, da técnica e rumo à expressão da sensibilidade”. Noverre adotou com suas Lettres sur lê ballets et lês arts d’imitation (Cartas sobre o balé e as artes de imitação, 1760) uma doutrina de contestação, tanto no plano teórico quanto no das realizações, reivindicando maior liberdade para a dança, propondo uma série de modificações das estruturas clássicas tradicionais, dentre elas a formação do dançarino, que deveria ter uma cultura geral vasta envolvendo poesia, história, pintura, música, anatomia e geometria, e também, a formação dos professores e a forma como os coreógrafos criavam suas composições coreográficas. Criticava a importância dada somente ao aspecto da habilidade física e da técnica do bailarino, pois para ele, o bailarino deveria conhecer o próprio corpo no sentido físico e espiritual.

Após Noverre tivemos outros coreógrafos que tentaram levar adiante suas idéias como Jean Dauberval e Salvatore Vigano. Outro simpatizante das idéias de Noverre foi o coreógrafo Mikhail Fokine, que participou dos Balés Russos de Serge Diaghilev já no início do século XX, e é considerado o pai do balé moderno. Noverre impôs suas idéias reformadoras causando polêmica em grande parte da Europa. Entretanto, seu espírito contestador foi determinante para criação e fortalecimento do balé clássico como gênero artístico completo e independente da ópera.

Contestar formalismos e rejeitar rigores foi um dos objetivos da dança moderna no início do século XX, período do surgimento das chamadas Vanguardas Históricas. As vanguardas artísticas na literatura, música, teatro, poesia, dança e pintura também buscavam novas formas de manifestação da arte, resultando no aparecimento dos movimentos e ou escolas Impressionista, Simbolista, Cubista, Futurista, Construtivista, Dadaísta, Expressionista, Surrealista e ou Bauhaus, além da Ausdrucktanz e da Nova Objetividade. Esses movimentos artísticos desdobraram-se em manifestações, adaptados às práticas locais, numa atividade ampla que acabou por desempenhar o papel primordial na cultura no século XX. Tal cultura estabeleceu uma espécie de tensão com as formas de arte até então aceitas como representantes da tradição. Artistas como Adolphe Appia, Loïe Fuller, Gordon Graig, Isadora Duncan, Vsevolod Meyerhold, Antonin Artaud, dentre outros, acompanhando as mudanças sociais, econômicas, políticas e filosóficas do mundo, passavam a desejar novas expressões artísticas. Fernando Pinheiro Villar nos aponta que Artistas das vanguardas da primeira e segunda metades do século questionam então de forma radical o conservadorismo de suas linguagens e de seus públicos no bojo de intensas transformações econômicas, sociais e políticas. As fronteiras entre arte e vida se misturam.


Primeira metade do século XX

Na esfera da dança na primeira metade do século XX, o descontentamento com os balés clássicos e as influências do período de transformações em todos os setores das artes, trazidas principalmente pelos movimentos vanguardistas, além do impacto do avanço da revolução industrial, foram alguns dos motivos que certamente estimularam a necessidade, por parte dos coreógrafos, de ruptura com os modelos vigentes, que impunham uma visão mecanicista do homem na sua relação com a vida. Coreógrafos precursores da dança moderna como Isadora Duncan, Ruth Saint-Denis, Martha Graham, Doris Humphrey, Mary Wigman e Kurt Jooss dentre muitos outros, proclamaram um caráter pessoal em suas obras, trazendo formatos intimistas, conteúdos subjetivos e questões individuais para o estilo do movimento, numa reação à abstração e ao vocabulário impessoal e codificado do balé. Além disso, havia o desejo de assumir posições mais críticas em relação ao que se passava nas sociedades naquela época com a Primeira Guerra Mundial, industrialização, advento do nazismo. Na década de 1930, esses fatos provocaram um deslocamento de artistas da Europa para os Estados Unidos, que fundaram escolas como a Black Mountain College, na Carolina do Norte. A escola, coordenada por Anni Albers, ex-professora da Bauhaus, era uma instituição experimental que atraía artistas de várias áreas que defendiam o intercâmbio entre arte e ciência, difundindo idéias artisticamente interdisciplinares, que reagiam aos territórios monodisciplinares ou fixos.

Já antes da Black Mountain College, ‘reagir’ talvez fosse a palavra que melhor traduzisse o sentimento da dança moderna no século XX. Inclusive, o surgimento de novos estilos, teorias e técnicas de dança se deram, principalmente, num contexto reativo de coreógrafos e dançarinos aos conteúdos aprendidos de seus mestres. Cada pequena transformação de técnica ou estilo aprendido ocorria mais em função de uma revolta construtiva em relação ao conteúdo assimilado, do que objetivando promover um aprimoramento desse conteúdo. Esse fato transformou também a relação entre o coreógrafo e o dançarino. O coreógrafo, que buscava um novo estatuto para dança do século XX, passou a exigir mais de seus dançarinos, pois, “a tradição do novo” demandava que todo dançarino deveria ser um coreógrafo em potencial.

Na dança moderna, a necessidade de se construir novos caminhos que servissem de base para a liberdade expressiva do corpo fez com que, coreógrafos e dançarinos, buscassem outras fontes referenciais de formação corporal, não diretamente vinculadas à dança. Duncan, St-Denis, Ted Shaw, Graham, Humprey, Wigman e Jooss dentre outros, se valeram de outras técnicas para suas criações coreográficas e, principalmente, para o desenvolvimento de um pensamento de dança mais voltado para expressividade que se fundamentava na idéia de que, “a intensidade do sentimento comanda a intensidade do gesto”. Além das influências das idéias de François Delsarte, essa primeira geração da dança moderna também foi influenciada pelos estudos e pensamentos do suíço Émile Jacques Dalcroze e do húngaro Rudolf von Laban.


As influências de Delsarte e Dalcroze

Os ensinamentos de Delsarte influenciaram a dança moderna dos Estados Unidos, que herdou, para o desenvolvimento de suas técnicas, principalmente a expressividade do movimento por meio do torso, “que todos os dançarinos modernos de todas as tendências consideram a fonte e o motor do gesto”. Coreógrafos que tiveram contato com o método de Jacques Dalcroze se apropriaram de suas idéias, principalmente, no sentido de trazer para o gesto a conexão com o sentimento que o anima. Dalcroze, envolvido com a música, assim como Delsarte, começa a perceber a importância de uma educação corporal para o aprendizado musical. Descobre uma “pedagogia do gesto” ao criar um método de educação psicomotora com base na repetição, aumento da complexidade e da sobreposição de ritmos, na decifração corporal e na sucessão do movimento. Fundamenta-se no princípio de economia de forças musculares, objetivando a eficiência do gesto. O aluno deveria praticar um solfejo corporal cada vez mais complexo, buscando realizá-lo com máxima eficiência, com movimentos claros e econômicos. Com esse método, Dalcroze buscava desenvolver no aluno um sentido musical, integrando sensibilidade, inteligência e corpo.


Loïe Fuller

De acordo com Banes, a atriz, escritora, empresária e dançarina estadunidense Loïe Fuller (Marie Louise Fuller), foi quem abriu campo para o desenvolvimento da dança moderna, apesar dos Estados Unidos não possuírem uma tradição de balé. Trabalhando em Paris na década de 1890, Fuller trouxe algumas importantes contribuições para a dança como a liberdade para o movimento, apresentações na forma de solo e, principalmente, a utilização de jogos de luz associados a movimentos de tecidos e largos figurinos, que consistiu a base de sua pesquisa dentro da dança. Suas coreografias, inspiradas em elementos da natureza como flores, animais, fogo etc, se ocupavam em colocar o corpo como instrumento para criação de efeitos visuais, voltados principalmente para a plasticidade cênica criada com o colorido das luzes sobre os figurinos em movimento. Normalmente trabalhava com bailarinos amadores em suas criações.

Sem formação de bailarina, Fuller foi uma artista que conquistou sucesso na Europa e Estados Unidos nos anos entre 1892 até 1927, principalmente pela descoberta da magia das luzes utilizada no palco produzindo atmosferas fora do real. Embora, parte dos coreógrafos dessa geração rejeitasse suas propostas, Fuller teve livre circulação e bom relacionamento com as vanguardas artísticas. Inclusive foi grande influenciadora e inspiradora de artistas contemporâneos como Appia, Graig, o poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti em seu balé futurista, além das precursoras da dança moderna Duncan e St-Denis. Para Duncan, Fuller foi a responsável pela criação das cores cambiantes e do uso de graciosas écharpes Liberty, além das “primeiras inspirações bebidas na luz e nos efeitos policrômicos”. Com ela a dança começa a explorar outras possibilidades de contextualização do movimento, introduzindo uma nova estética visual, voltada principalmente para a plasticidade dos movimentos.


Isadora Duncan

Assim como Fuller, Isadora Duncan foi uma coreógrafa que tentou buscar na dança algo completamente diferente do modelo clássico, se inspirando em motivos da natureza (ar, fogo, água, árvores, etc), como referência para uma expressão mais natural do movimento. Para Boucier, a contribuição de Duncan para a dança moderna foi “aparentemente efêmera”, pois não desenvolveu nenhuma técnica ou pensamento mais sólido sobre suas idéias. Segundo ele, a maior herança deixada por Duncan foram suas atitudes em relação à liberdade de expressão do ser humano. Entretanto, de acordo com Maribel Portinari, em seu livro História da dança, o legado de Duncan foi da máxima importância, até mesmo no balé, através das criações de Michel Fokine nos Balés Russos de Serge de Diaghilev: diferente, e não raro contraditórias influências. Tal como Dalcroze e Delsarte, ela colocou no plexo solar a fonte essencial do movimento dançante, no que seria seguida por outros pioneiros da escola moderna na Europa e nos Estados Unidos. Imbuída da filosofia de Nietzsche, Isadora fez da dança uma religião em perpétua busca de beleza e liberdade. Entre um paganismo dionisíaco e dramas pessoais, ela teceu a sua própria lenda em que a mulher e a artista disputam primazia de heroína.

De acordo com Marvin Carlson “o aparecimento de Isadora Duncan em St. Petersburg em 1904 teve um profundo efeito no teatro e na dança da Rússia, focalizando as atenções sobre a performer individual e os movimentos naturais do corpo”. Duncan foi admirada, por seu despojamento artístico, por renomados artistas da época dentre eles Igor Stravinsky, Alexander Tairov, Diaghilev, Konstantin Stanislavsky, além de Gordon Graig, com quem teve uma


Ruth Saint-Denis e a Denishawschool

Ruth Saint-Denis, outra precursora da dança moderna, casa-se com o dançarino Ted Shawn e montam em 1916 a Denishawnschool, onde se formaram Grahan e Humphrey. Na Denishawnschool aplicam-se princípios dos ensinamentos de Delsarte. Esses princípios referem-se à mobilização de todo o corpo para a expressão, dando ênfase principalmente ao torso, utilização da contração e relaxamento da musculatura para obtenção da expressão e a importância dada ao significado dos gestos e sentimentos.


Rudolf Laban

Outro importante teórico do movimento, Rudolf von Laban foi criador do sistema Labanotação e do Labanálise, em 1926. A Labanotação consiste num método de notação da dança, partitura escrita com sinais gráficos que objetivavam registrar o movimento. A Labanálise ou Análise Laban de Movimento, combina a labanotação com a análise do movimento, registrando além da mecânica do movimento, seus aspectos qualitativos como dinâmica e qualidades expressivas. O desenvolvimento de seu método estava ligado tanto à prática corporal de atores e dançarinos, como também na observação do movimento dos trabalhadores nas fábricas.31 Com Laban, alguns importantes coreógrafos se valeram de seus ensinamentos, mesmo que fosse para caminhar no sentido oposto a eles. Ainda hoje, diversas escolas de dança, principalmente na Europa, utilizam seu sistema como meio para a educação do movimento. Laban é considerado o precursor da dança-teatro alemã, que discípulos seus como Wigman e Jooss difundiram.


Mary Wigman e a Ausdrucktanz

Aluna de Laban e Dalcroze, Mary Wigman foi uma das fundadoras da Ausdrucktanz, dança da expressão, na Alemanha. De acordo com Kátia Canton, a dança alemã, na busca de liberdade para o vocabulário de dança sem referências nos códigos do balé clássico, usa o movimento para expressar emoções profundas desejando alcançar leis universais de expressão. Canton nos aponta que


A dança moderna na Alemanha se desenvolveu principalmente como uma busca por essências que 
respondessem à grande ansiedade e inquietude características do contexto histórico da Primeira 
Guerra Mundial e das então recentes elaborações da psicanálise de Freud. A resposta a esses fatos 
foi um movimento para dentro. Para os dançarinos, como para toda uma geração de artistas expressionistas, 
a única verdade viria das emoções internas, já que a realidade exterior não se mostrava confiável. 


Seguindo essa realidade a Ausdrucktanz foi, nas palavras de Ciane Fernandes, “uma rebelião contra o balé clássico, buscando uma expressão individual ligada a lutas e necessidades humanas universais”. A Ausdrucktanz foi classificada como uma dança ideológica que buscava inspiração no estado primitivo da emoção, onde o movimento expressivo se manifesta a partir de uma necessidade interna e do diálogo dessa necessidade com o exterior. Segundo Soraia Maria Silva, a Ausdrucktanz desenvolveu uma técnica e um método de ensino com princípios como devoção a uma experiência pessoal do ambiente, libertação da dança da dependência da música e das narrativas, introdução da improvisação como recurso no processo técnico de treinamento corporal e de composição coreográfica, desenvolvimento dos aspectos expressivos do movimento chamado eucinética, desenvolvida por Kurt Joos, desenvolvimento da corêutica, investigada por Laban, que consiste em aprimorar a consciência do espaço ao bailarino e ao coreógrafo, além de outros princípios.

Wigman viveu em plena Primeira Guerra Mundial, o que influenciou fortemente sua dança como nos coloca Boucier:


Sua visão trágica de uma existência efêmera é mostrada por um expressionismo violento que é uma 
constante, aliás, da arte germânica desde Grünewald, Holbein, Dürer até o movimento de Blaue Reiter, 
o cinema do pós-guerra (o Metrópolis, de Fritz Lang, é de 1930), o teatro da mesma década 
(o Hoppla vir Leben, 1927, de Toller, e o início de Brecht), a pintura de Macke e de Nolde, com quem  
mantém relações íntimas.


Wigman não compartilhava com Laban suas teorias cinéticas do movimento, as quais achava aprisionadoras para o dançarino, mas sim o “sentido profundo da dança: a revelação de tudo que jaz escondido no homem”. Também não possuía muitas afinidades com a pedagogia dalcrozeana. Profundamente envolvida com as questões de sua época como a ascensão do nazismo, miséria, desespero e o desprezo pelo ser humano, Wigman criou um tipo de dança que buscava personificar a própria emoção, explorando estados emocionais primitivos, expressos em movimentos abstratos. Utilizou máscaras nos intérpretes, acreditando que assim, eles se transformariam em ‘tipos e emoções universais, que transcendiam os limites do mundo material’. Propunha retratar o destino trágico do ser humano e da humanidade, sem submeter-se à leveza, mas sim ao poder da expressão. Boucier nos fala que, Wigman, na busca pelo poder da expressão do movimento, adota uma forma de ensinar que incentiva seus dançarinos a se conhecerem profundamente, pois,


É preciso se pôr à escuta de si mesmo, onde se pode ouvir a repercussão do eco do mundo. 
Então os vislumbres de conhecimento que começam a brotar exprimem-se por esboços de gestos que 
contribuem para a conscientização das pulsões internas. Ao final de um longo caminho, o artista 
conseguirá, ao mesmo tempo, conhecer suas forças criadoras e adquirir os meios corporais para exprimi-las.


A partir de Wigman imprime-se na dança o foco na expressividade do gesto, que dá liberdade ao dançarino para explorar seu próprio vocabulário de movimento, atribuindo-lhe total responsabilidade sobre a expressão. O cerne da cena é a expressividade do próprio corpo. Wigman dá inicio ao desenvolvimento de um estilo de dança adotado por muitos coreógrafos de gerações posteriores como Carolyn Carlson, Kurt Joos, Susan Buirge e, indiretamente, Pina Bausch.


Kurt Joss

Também aluno de Laban e Wigman, Kurt Jooss pertenceu à geração de artistas do período denominado de Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade), na Alemanha. O principal interesse de criação dessa geração estava voltado para o compromisso social, sem, contudo, abandonarem o espírito que guiava os expressionistas. Jooss discordava de seus mestres em muitos pontos. Não acreditava, por exemplo, que qualquer um pudesse se tornar um dançarino, idéia defendida por Laban. Também discorda de Wigman que pregava o não adestramento corporal em sistemas preestabelecidos. Criou, então, um novo sistema de dança chamado Eukinetics, que era um método de interpretação que valorizava a técnica corporal do dançarino, baseando-se em posturas e passos de balé. Canton nos fala que Jooss apoiava a procura expressionista de uma síntese da experiência humana através da arte. Mas, para ele, essa síntese deveria vir da fusão ordenada de elementos teatrais, da dança à representação, em uma única atitude interpretativa.[...] Enquanto Laban pensava que seus coros de movimento poderiam construir uma sociedade mais saudável, o coreógrafo de pós-guerra retratava a hipocrisia e a feiúra de uma sociedade corrompida pela guerra, pela morte e pela prostituição, testemunhando que o mundo não seria um lugar melhor depois de tanto sofrimento.

Com formação em música, teatro e dança, Jooss trouxe para suas criações uma relação íntima do teatro com a dança. A Mesa Verde (1932) é sua obra mais conhecida. Segundo Portinari, as pesquisas sobre o movimento puro empreendidas por Jooss, fizeram sua arte ganhar contorno humano e refletir os dramas e aspirações de um período, inovando o panorama da dança. Foi um importante influenciador de sua ex-aluna Pina Bausch, de quem falaremos mais adiante.

Esse conceito foi trazido por Gustav F. Hartblaud em 1923 por ocasião da preparação de uma exposição das obras dos artistas visuais Otto Dix e George Grosz, dentre outros que se interessavam pela arte figurativa e a retratação da realidade social. Embora o movimento tenha envolvido todos os campos artísticos, o termo Nova Objetividade está ligado, principalmente, às artes visuais. Kurt Jooss, o dramaturgo Ernest Toller e a intérprete solo Valeska Gert participaram do movimento.


Algumas considerações

O desenvolvimento da dança moderna nos Estados Unidos e Alemanha tomou direções distintas na forma de abordar seus temas. Vimos que na Alemanha as criações estavam voltadas para a retratação, de fato, dos temas atuais, com ênfase na expressão e teatralização, característica que se perpetuou e se fortaleceu até os dias de hoje, principalmente pelas coreografias de Bausch. Nos Estados Unidos, apesar de trazerem uma visão que pudesse fazer um paralelo com a atualidade, as concepções coreográficas se inspiravam num passado imaginário. Foram protagonistas dessa linha de criação, Duncan, com sua paixão pela Grécia clássica, e Graham, que em suas coreografias baseava-se nas mitologias gregas trazendo uma abordagem diferenciada. Graham se valia dos mitos como arquétipos de emoções universais, como a paixão, a culpa, a redenção, assim como marcas simbólicas do ciclo da vida.

Apesar do desejo de ruptura com as técnicas formais da dança, observamos que, a geração de coreógrafos da dança moderna, não se desapega totalmente dos princípios técnicos do balé, que ainda exercem uma forte influência na construção das técnicas modernas de uma forma geral.

Talvez seja importante lembrar que, mesmo produzindo no âmbito do balé clássico, outro impulsionador de inovações no mundo da dança foi o russo Sergei de Diaghilev. Empresário, produtor artístico e agitador cultural bastante envolvido com os movimentos das vanguardas artísticas do começo do século XX, cria os Balés Russos em 1909. Desejando que “a dança fosse o ponto de encontro de todas as artes”, Diaghilev reúne famosos coreógrafos e dançarinos como Mikhail Fokine, Anna Pavlova, Leonide Massine, Serge Lifar, Tâmara Karsavina, Vaslav Nijinski, dentre outros, e se associa a artistas dos movimentos futurista e cubista como Jean Cocteau, Giacomo Balla, Erik Satie, Pablo Picasso, Alexandre Benoi dentre outros, absorvendo para a dança a sensibilidade artística da época. Pregava grandes modificações nas tradições do balé, referindo-se, principalmente, às concepções de cenários e figurinos, propondo uma nova estética para a dança. Diaghilev foi um aglutinador de artistas que pensavam à frente de seu tempo. Reuniu-os na maior parte de suas montagens, abrindo campo para a criação de balés com tendências modernas, principalmente com as coreografias de Fokine e Nijinski, que começam então a ser influenciados por Isadora Duncan.


No Brasil

No Brasil, a dança moderna é trazida na década de 1930 pela gaúcha Frieda Ullman (Chinita Ullman) e pela moscovita Nina Verchinina. Ullman foi aluna de Wigman, e funda a primeira escola de dança de São Paulo, em 1932. Verchinina teve grandes influências de Duncan e também abre uma escola no Rio de Janeiro em 1954. Esse novo estilo de dança no Brasil teve dificuldade em se solidificar em função de uma elite mais interessada em balés importados, como acontece até hoje. Na mesma época Eros Volúsia, que traz a expressão regional, e Felicitas Barreto, que incrementa sua dança com lendas brasileiras, “cercada de índios e de negros”, também foram personalidades importantes, responsáveis pelo fomento da dança moderna no Brasil. Ulman, Verchinina, Volúsia e Barreto deram impulso para o surgimento de grupos e companhias independentes que se proliferaram a partir da década de 1940, resultando numa acelerada e diversa produção de estilos de dança.

Essa primeira fase da dança moderna aqui rapidamente esboçada, veio trazer, talvez, o aspecto emocional ao passo de dança, numa tentativa de expor a insatisfação do homem perante as situações da vida, seus conflitos e anseios. Ocorre um deslocamento do foco de trabalho no corpo, que passa das extremidades (pernas e braços mais trabalhados no balé) para o tronco e pélvis, além da quebra da verticalidade corporal, que dá mais mobilidade para coluna, imprimindo na dança outros sentidos ao movimento. A quebra da verticalidade também vem facilitar o uso dos movimentos no chão, introduzidos principalmente por Doris Humphrey com sua técnica de queda e recuperação. Além disso, as expressões faciais são mais exploradas, assumindo o rosto como parte da expressividade corporal, tornando a interpretação mais teatral ao invés da neutralidade e frieza dos balés convencionais. A ligação com a atmosfera etérea, característica dos balés é substituída pelo sentimento em relação à terra, às raízes, que retratam mais objetivamente os conflitos do homem com sua realidade viva. O conteúdo temático das coreografias vai se transformando, passando das histórias românticas ao drama adulto da atualidade. Essa fase revelou uma face introspectiva e psicológica da dança, com ênfase em argumentos pessoais, principalmente dos coreógrafos. A teatralidade das concepções coreográficas se torna mais evidenciada. O empréstimo de princípios cênicos de outras artes faz-se elemento indispensável dessa concepção de dança.


Merce Cunningham e a dança pós-moderna

No período entre 1940 e 1950 a dança moderna perde sua força criativa em função do conservadorismo cultural e da Segunda Guerra Mundial, dentre outros fatores, que contribuíram para o enfraquecimento, e posteriormente ressurgimento, do espírito revolucionário artístico e político. Dentro deste panorama surge o americano Merce Cunningham, aluno e solista da companhia de Martha Graham, que vem propor uma ruptura definitiva com a ‘dança emocional’ característica da época, e com a influência preponderante do coreógrafo nas obras.

Cunningham inaugura nova fase na dança moderna, trazendo uma abordagem diferente para o movimento e o uso do espaço-tempo em suas coreografias. Propõe não construir encadeamentos lógicos, nem estruturas narrativas dramáticas, pois não se interessava por conteúdos psicológicos. Une-se a outros artistas como os músicos John Cage, considerado um pioneiro em performance experimental, David Tudor, Christian Wolff, os artistas plásticos, Robert Rauschenberg, Jasper Johns e Andy Warhol, e cria uma dança do acaso. Suas obras poderiam remeter qualquer significado, ou mesmo nenhum podendo “evocar tanto o universo robotizado, uma viagem a um mundo interplanetário sem peso, num tempo de valor variável, quanto um jogo puro e simples de movimentos gratuitos e que se bastam”. Segundo indicação de Banes, Cunningham se apoiou nos seguintes princípios para o desenvolvimento de seu trabalho:


1) qualquer movimento pode ser dança; 2) qualquer procedimento pode se tornar um método de composição válido; 
3) qualquer parte do corpo pode ser usada; 4) música, figurino, cenário, luzes e dança possuem lógicas e identidades 
próprias; 5)qualquer dançarino da companhia pode ser um solista; 6) qualquer espaço físico pode ser usado para uma 
dança; 7) qualquer coisa pode ser dança, desde que fundamentalmente seja sobre o corpo humano e seus movimentos.


Nessa nova concepção de dança, Cunningham anula o envolvimento e exteriorização de emoções por parte do dançarino, pois para ele a expressividade do movimento é inerente ao corpo. Não há necessidade de externalizar uma característica expressiva para se criar um significado, já que este significado é intrínseco ao próprio movimento.

Com Cunningham há uma mudança radical na estrutura composicional da coreografia, com descentralização do espaço, uso do tempo de forma mais flexível e casualidade musical na relação com os movimentos. Como nos sinaliza José Gil, Cunningham valorizava o movimento por si, sem referências exteriores, objetivando acabar com o mimetismo dos gestos, das figuras e do espaço cênico que reproduzia ou simbolizava o espaço exterior, e inclusivamente uma espécie de mimetismo interior, uma vez que se considerava que o corpo traduzia as emoções de um sujeito ou de um grupo.

Com essa abordagem, Cunningham propunha uma dança de ‘formas esvaziadas’, dissociadas de qualquer sentido literal, e de qualquer conteúdo expressivo aparente. Como coloca Soraia Silva:


A técnica desenvolvida por Cunningham tem como principal característica a diversidade rítmica, a musicalidade 
interior de toda evidência nascida da separação de dança e música, a coisificação pelo espaço/tempo/movimento/objeto/acaso, 
e a concentração desses elementos da cena de dança reflete-se no gesto/ação cunninghamianos. Sua obra é fundada no conceito 
de indivíduos que se movem e se reúnem, sem representarem, em cena, heróis, emoções, estados de ânimo, mas, sim, apenas indivíduos.


Quando Cunningham propõe a quebra da estrutura narrativa da dança e a descontextualização, sem impor conteúdos necessariamente conectados à música e/ou a idéias visuais e literárias, ele estimula uma série de alterações nas estruturas que envolvem o jogo cênico, como, por exemplo, a interferência na apreciação estética do espectador em relação à obra coreográfica. O espectador sai do papel de simples apreciador para compartilhar sua interpretação com a criação. A própria obra parece reivindicar que o espectador a olhe suscitando o poder do imaginário de forma mais atuante. Também a relação entre o corpo e o contexto cênico muda, já que o corpo não necessita se submeter a um contexto externo a ele, a um conteúdo determinado. O corpo é o próprio contexto para o desenrolar cênico.

Essas novas possibilidades vão se infiltrando cada vez mais no universo da dança na década seguinte. O advento da era digital na década de 1950 também influenciou na mudança de comportamento, onde verificamos a passagem da condução normal dos fenômenos para a quebra da regularidade dos fatos da vida, imprimindo a visão dos acontecimentos ao acaso, fragmentado, com possibilidades de cortes e recombinações constantes, o que se transfere para a forma de lidar com o movimento na dança. A visão de dança trazida por Cunninghan somada às influências dos movimentos das Vanguardas Históricas que nutriram a nova geração de coreógrafos marcam a passagem da dança moderna americana para a pós-moderna, na década de 1960. As artes “continua(ra)m indo contra restrições das possibilidades expressivas e rechaçando definições que se pretendiam definitivas” dentro da música, das artes visuais, da poesia, do teatro ou dos novos gêneros como os Happenings, influenciando tendências e estilos da dança pós-moderna.


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