Valéria Pinheiro

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Chegou a Fortaleza em 1979, provinda de Manaus, onde morava com os pais, adentrou a Universidade Federal do Ceará para se formar em Engenheira Civil. A distância dos amigos e da vida manauara a inquietava, e um dia, perdida em Fortaleza, achou a Sati Dance, uma escola de dança que tinha a frente Ticiana Fiuza. Foi paixão a primeira vista, passava a maior parte do dia ali dançando jazz, moderno e sapateado, a paixão mestra, uma vez que já ensaiava com o pai passos de sapateado, mas sem as chapinhas ou técnica do sapateado americano.

Em pouco tempo já estava professora de sapateado na Sati Dance, e dali para conhecer e ampliar o trabalho em outras escolas foi rápido. Conheceu Claudia Borges, Vera Passos, Gorete Quintella, Jane Ruth, Rossana Pucci, Helena Coelis, e tantas outras gestoras de academia de dança na cidade. Ocupava o tempo inteiro a dar aulas de sapateado e a criar a própria técnica de sapatear, o que chama carinhosamente de "sapateado brasileiro".

No início dos anos 80 passava pelo Ceará, a convite de Ticiana Fiuza, o coreógrafo provindo da Guatemala, Edgar Coronado, e tiveram uma primeira experiência juntos a elementos, que, hoje, classificaria como dança contemporânea. Montaram uma peça coreográfica que chamaram “ËVA”, onde Cláudio Bernardo e Jimena Marques protagonizavam. Para a frustração e quebra de sonho deles, nunca encenaram essa peça, pois a gestora da Academia Sati Dance, Ticiana Fiuza, ficara viúva de forma drástica, abandonando a escola de dança e com ela, foi-se os sonhos deles.

Essa quebra fez com que alguns dos integrantes do grupo partissem em busca dessa dança que tanto os inquietou e que ficou presa na garganta. Valeria Pinheiro, Jimena Marques, Cláudio Bernardo, Cristina Pinheiro e alguns outros dançarinos da Sati Dance seguiram o rumo, alguns no Rio de Janeiro, outros na Europa ou Estados Unidos. Antes, em 1983, com a formação em Engenheira Civil, uma vontade enorme de dançar e uma inquietação por uma dança que não mais cabia nas escolas de dança parceiras, Valéria Pinheiro teve duas opções: mergulhar na prancheta para continuar construindo prédios ou usar o palco para o sapateado, claro, escolheu a última opção.

Precisava dançar, deixou o Ceará e foi para o Rio de Janeiro a convite de Tânia Nardine, coreógrafa do Grupo Bandança, que durante alguns anos passeava pelo Ceará a convite de Claudia Borges. No Rio de Janeiro passou a ser bolsista no CAT (Centro de Artes do Tempo). No Ceará teve alguns anos de experiência junto ao Grupo Pano de Boca, uma vez que participou da formação do grupo, e também teve como madrinha Tânia Nardine. Esse sonho ali também não durou muito, dois ou três anos depois que estava no CAT, o espaço foi transformado em estacionamento do Banco Itaú, e com isso o espaço de encontros e formação não mais existia. Continuou a dar aulas de sapateado para um grupo de pessoas que como ela, se apaixonou pela possibilidade de sapatear os ritmos brasileiros. Em pouco tempo formavam no Rio de Janeiro o Grupo CATSAPA, homenagem a escola que acolheu Valéria Pinheiro, CAT - Centro de Artes do Tempo e ao sapateado, que foi quem a impulsionou para tomar a decisão de deixar o Ceará e buscar a dança em outro lugar.

O Grupo Catsapa foi tomando forma, ensaiavam diariamente sempre depois das 11 da noite, já que não tinham espaço para trabalhar. Foi cedido um espaço pela PUC (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) onde Valéria fazia mestrado em Análise de Sistemas, que serviu de âncora para um "patrocínio" no Rio de Janeiro. Passaram assim pelo menos os dois anos de mestrado, até que resolveu montar a primeira peça musical intitulada "Na Cola do Sapateado", que abriu portas e janelas, impulsionando a criação do espaço, até hoje em funcionamento com a Catsapa - Escola de Musicais. Continuou por alguns anos ainda no espaço Catsapa, até que entendeu que a inquietação de criar para além de espetáculos de final de ano era enorme. Saiu e foi para um espaço próprio. Abria no Rio de Janeiro as portas com um espaço que se chamava Lugar Comum. E em 1994 fundou a Cia. Vatá, uma companhia de sapateado que pesquisava o corpo e as inquietudes a partir de impulsos provindos do pé e seus ritmos. Atuaram no mercado Rio – São Paulo – Minas por alguns anos. Em 2000, a convite de Fávio Sampaio, abria no Ceará uma porta para a Dança na Academia. Voltou ao Ceará para ministrar aulas na Faculdade Gama Filho, que formaria a primeira turma em Licenciatura em Dança. Frustrante, somente essa turma se formou, o curso não teve continuidade.

Mas a vontade de Ceará da Valéria era enorme. Abriu audição para formar a Cia. Vatá com dançarinos, músicos e atores genuinamente cearenses. Em março de 2000 já começava a jornada de trabalhos. Convidou Andrea Bardawil para dirigir a primeira peça coreográfica intitulada "Bagaceira, a dança dos Mestres", um mergulho na obra de Ascenso Ferreira, vetorizado pelos ritmos de reisados e cabaçal dos Irmãos Aniceto. Foi um sucesso! Ganharam o edital de circulação da Funarte, além do prêmio da Secult de circulação, ainda nessa época não existia a política de editais. Circularam quase todo o Brasil com essa obra. Ao longo do processo, acumularam-se vários lugares, territórios, assuntos, e processamos, tudo isso e dali nasceram: "Bagaceira, a dança dos Orixás", e mais tarde "Bagaceira, a dança dos Ancestrais", fechando a trilogia a cerca do corpo ritualístico, tema de pesquisa para essa trilogia. O segundo espetáculo da trilogia "Bagaceira, a dança dos Orixás" conseguiu a parceria da Petrobrás, e pela primeira vez tinham uma verba especial para montagem. Apresentaram para o mundo de forma digna e com uma equipe técnica e de criação talentosíssima. Esse espetáculo logo ganhou o mundo. Através do Palco Giratório, projeto de circulação, promovido pelo SESC Nacional, visitaram todos os Estados do Brasil, numa turnê de 45 dias e 28 espetáculos, e logo depois do Palco Giratório receberam o convite do MCA (Museu de Arte Contemporânea de Chicago) para fazer parte da homenagem deles à Tropicália. Foram para uma temporada linda em Chicago, com quatro espetáculos no MCA, á recebendo convites para inaugurar o Harris Theater, teatro do Parque do Milenium, e fizeram ali mais quatro espetáculos. Chicago abriu as portas e fizeram ainda Nova York, Montana e Miami.

Ao chegar ao Brasil estavam todos vestidos de Brasil, e com uma vontade enorme de entender o samba, que tanto representa o Brasil no além mar. Desse mergulho nasceu "Caçadores de Pipa", que rendeu o prêmio Kalus Viana de Montagem, além da circulação Petrobrás Funarte, mais tarde a primeira vez em territórios africanos, o que deixou ao grupo muito feliz. Ao longo do processo de "Caçadores de Pipa", Valéria conheceu Jõao Paulo Lima, um jovem cantor do coral da UFC que ensaiava os primeiros passos de dança em um espetáculo cênico do Coral, foi paixão a primeira vista. Todas as questões a habitaram, ela quis mergulhar naquele corpo especial, que tinha tanta habilidade com uma perna só. E depois de dois anos de mergulho nascia “Assim é, se lhe parece...", uma obra que considera como divisor de águas na obra de Valéria, a dança começava a mudar de lugar.

Teve necessidade de silenciar as criações para entender a mudança que a habitava, e passou três anos sem nenhum compromisso de criar, se não, existir, manter a obra e repertorio e "brincar". Mudanças muitas aconteceram nesse ínterim, muitos dos integrantes que ficaram com a Cia. Vatá 6, 7, 8, 9 anos, partiram para suas próprias trilhas, criaram suas próprias companhias: Cia. do Barulho (Aspásia Mariana), Cia. dos Pés Grandes (Heber Stalin), Doc. Dança (Paulo José), Grupo Fusuê (Edmar Cândido), Jardim das Horas (Banda musical de Laya Lopes), Soul Beat (Banda musical de Liliane Costa), Breculê (Banda musical de Chico) e muitos outros que passaram pela Cia. Vatá seguiram seus caminhos. Alguns se mantiveram e se mantém com a Vatá até hoje, outros chegaram, e a família continua.

Para celebrar os 10 anos da Cia Vatá no Ceará e 25 anos de carreira profissional como coreografa, Valéria Pinheiro resolveu abraçar quatro projetos de peças coreográficas em diferentes territórios, mas que a habitam até hoje, mais um documentário e um CD com as músicas e passagens da Cia Vatá no Ceará e mundo.

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